sábado, 28 de abril de 2012

Herói


Cresci seguindo as cores de dois tipos de heróis completamente diferentes. De um lado havia os quadrinhos e desenhos com suas capas, suas máscaras e suas frases feitas. No outro canto havia a realidade onde um herói de roupas gastas, rugas na face e conselhos de vida me colocava para dormir todas as noites após um natural “Deus lhe abençoe”.

Cresci assistindo a luta diária deste segundo herói, meu Pai e sua tentativa de vencer seus próprios medos para que nunca monstro nenhum chegasse a tocar em mim! Cresci vendo em seus olhos a permanente tentativa de me fazer melhor e mais forte, a busca por me mostrar a cidade e me ensinar quais foram as pedras com as quais ele já havia topado... Minha moral não é minha, mas sim dele! Com ele que aprendi que “o que é errado é da conta de todo mundo”, que eu “nunca deixe ser pegue pelos punhos” como se fosse um culpado, que “tudo demais faz mal”! Com ele que aprendi o que é gratidão, respeito, companheirismo, ética... As músicas que escuto primeiro escutei em nosso velho rádio no quintal de nossa casa... Os ídolos que imagino, todos possuem algo dele... Ele que me apresentou o mar e o morro!

É difícil crescer e perceber que seu herói também é um homem, que agora sem precisar lutar por você não se esquiva tanto de seus próprios monstros. Se nos quadrinhos as capas e máscaras nunca desbotam, na vida o tempo enverga colunas e mareia olhares. Agora como filho vejo que a grande luta de meu herói é contra o tempo, o tempo que passou e as marcas que ficaram, o tempo que ainda vem e a incessante pergunta “de onde tirar forças? Por que ainda lutar?!” E minha resposta egoísta a estas duas perguntas é muito simples: “Por que eu ainda preciso de heróis!”

P.S: Crônica feita em homenagem ao aniversário de meu Pai, Sr. Marcos Nunes.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Andarilho


Acordei com uma sensação insone, a mercê de minhas necessidades citadinas. E está na contagem dos dias cada vez mais difícil de, apenas com estes argumentos, enfrentar o rodar da ampulheta... Será que existem almas sobre este mesmo chão que não se aperreiam?(Termo cearês aqui empregado remetendo-se à angústia francesa) Almas que, bem colocadas em seus postos, ali permanecem felizes e satisfeitas. Claro que há sempre a possibilidade deste esmero pela suntuosidade das paixões ser mero deleite da pouca idade, claro que o passar dos anos pode vim a aterrar esta preocupação desmedia com a essência das coisas. Mas hoje me incomodo quando sob minha ignorância sou obrigado a suportar a falácia disfarçada de brilhantismo, a sacanagem disfarçada de inteligência, o orgulho disfarçado de vítima... Reforço que este sentimento é despendido unicamente por minha condição de medíocre necessitado de suportes morais, pois caso assim não fosse pouco me importaria com as falácias que tanto me afetam e com a ausência de ideal que parece permear tudo o que reluz nestes tempos modernos.

Poucas escapatórias me restam quando sofro de tais afecções, tanto é que sou capaz de listá-las sem muito sacrifício: Uma paixão, um bom livro, uma cerveja, uns amigos, uma crônica! Estas são as válvulas de fuga por onde meu espírito sai quando se torna alvo de meus monstros (estes sim, incontáveis!). Nestas horas também me serve lembrar-me de meu descompassado berço, de onde vim e onde semearam em mim “essa incrível saudade”. Filho messejanense da união da praia e do morro, criança de poucos sorrisos, estudante das ruas armadas e das praças vagabundas, pescador marginal de marginais, angustiado dentro de um quarto sem paredes... Eu, quando este que já fui, era merecedor de glórias! Sabedor de minha condição e pouco interessado em ultrapassar os grilhões que não sentia, ciente de meu lugar no mundo e sem dispor da mínima importância de qualquer outro lugar que fosse. Ah, que saudade sinto de mim! Da época em que o “meu mundo era mais mundo e todo mundo admitia”...

Hoje apenas resta-me uma esperança de tudo e um medo do nada... E qualquer coisa escrita a mais seria mentira...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Abrigo

Afinal o que esperava do mundo? Esperava que a felicidade batesse na porta, com um sorriso largo pela manhã, como quem traz a alegria em uma bandeja com frutas e café... Esperava que o céu estivesse azul na hora do riso, e cinza quando fosse minha hora de chorar! Esperava entender mais sobre a vida e que esse entendimento não me aterrasse, esperava em meu pessimismo encontrar a esperança. Admito que sonhei com o vento do mar a me beijar a face e com a lua a incendiar a cidade junto com os carros e os postes, sonhei que a poesia suspendia o pesar, sonhei encontrar a mulher amada e com ela viver e morrer! Sonhei em ser sábio e construir meus passos no mundo, sonhei com o discernimento dos livros, as certezas dos olhares, os sorrisos das crianças e as casas de varandas floridas com cachorros esparramados na calçada!

Sonhei que era capaz de não me ser... Sonhei que minhas forças seriam o suficiente para abrigar minha vida, sonhei que minhas mentiras enganariam o pesar de meus olhos! Sonhei com o belo disfarce de quem esconde a dor no peito, sonhei que a dor era pura imaturidade e que um dia estaria desperto e feliz.

Envelhecer indica o término da espera. O grande desafio é não perder a capacidade de sonhar, mas deve ser admitido que os sonhos, quando encharcados de realidade, cada vez mais perdem sua característica onírica e passam a se tornar meros planos, objetivos sem a beleza da ilusão de quem acredita na vitória... Não sei bem se este pesado espírito é o mais indicado a escrever sobre isso, não sei bem se a dor em meus ombros e o pesar em meu peito me credenciam a escrever sobre o que quer que seja, se o medo que encerra meus olhos não cega minha alma a ponto de me impor à escuridão, escrevo portanto como fuga de minha condição de quem apaixonou-se por um sonho mas que agora se recusa a adormecer.

domingo, 8 de abril de 2012

Receita para gerar um Homem Medíocre:


Primeiro coloque o Homem em fogo brando, para que não sinta esquentar e se acomode calmamente. Adicione então uma cidade suja e mesquinha com aroma artificial de poesia, misture e quando começar a ficar homogêneo ponha uma porção pequena de algum objetivo nobre. Tampe e deixe que o Homem, a cidade com aroma artificial e o falso objetivo comecem a criar uma espécie de massa. Neste momento tire do fogo para que esfrie e enquanto isso vamos ao recheio.

Para essa parte da receita é importantíssimo que os ingredientes sejam compostos de sentimentos que pareçam reais, como por exemplo: A busca pela verdade, a tentativa de ser bom, a manutenção dos sonhos, a ideia da ética, a curiosidade, o afeto. Cada sentimento deste será responsável pelo “aroma artificial de Homem Bom”, essencial para o sucesso da receita! Vale ressaltar que NEM UM DESTES SENTIMENTOS PODEM SER REAIS, o ideal é que sejam artificiais e de preferência meramente copiados de um Homem Sábio. Isto irá conferir ao nosso recheio uma confiabilidade necessária para a criação do Homem Medíocre.

Bem, com todos estes (falsos) ingredientes à mão, devemos deixar que cozinhem em “banho maria” até que percam todas as características verdadeiras e virem uma mera sombra do que representam, depois devemos refogar tudo em uma boca untada de eloquência, 200 gramas de preguiça, três colheres de medo e um tablete de complacência, reforçando assim o sabor da confiabilidade e finalizando o nosso recheio!

Agora voltemos para a massa do nosso Homem Medíocre. É normal que a massa menos quente comece a endurecer(embrutecer), para deixá-la no ponto certo coloque algumas pitadas de pressão social que ela logo volta a ficar flexível. Antes de enrijecer novamente divida a massa em várias fôrmas: Trabalho, Família, Sonhos, Amigos, Projetos, Amor, isso evitará que ela endureça. Em cada uma das partes coloque nosso recheio de “Sombra de Homem Sábio”.

Leve tudo ao forno das responsabilidades mesquinhas e deixe que doure. O ideal é que fique no fogo por uns 6 a 8 anos, depois pode deixar esfriar a vontade. Sirva sem acompanhamento e com uma bebida refinada, que possua status social.

Tempo: 9 a 10 anos.
Porções: 6 (Trabalho, Família, Sonhos, Amigos, Projetos, Amor).