sábado, 22 de agosto de 2015

Trocando em miolos

Primeira informação a ser dita, não necessariamente a mais importante: continuamos dentro do crânio! Espaço apertado, com pouca ventilação, sub-utilizado e esteticamente desproporcional... Mas é como diz o ditado "cabeça vazia, morada do diabo" e, para evitar inquilino tão estigmatizado, vou ficando por aqui. 

Aliás, como estou fadado a esta clausura craniana, venho tentando dar um novo designer para a parte que me cabe neste magro latifúndio, coloquei uns quadros, jarros de flores, comprei o melhor tapete que uma massa cinzenta poderia adquirir, adega, iluminação inteligente e chic, tudo para disfarçar o imenso espaço vazio da sala de estar... Ficou confortável, mas admito que ainda falta originalidade. Quanto a isso já tentei de um-tudo, temáticas mais nordestinas, urbanas, hip-hop, vetim, alternativo, hypster, pop, retrô, mas nada se encaixa bem com o resto do corpo e acabei, no final das contas, misturando tudo: coordeno os movimentos como se fosse um alternativo, falo com o diabu de uma mistura de nordestino e hypster, todas as associações visuais resultaram num misto do urbano com o vetim e, para acabar de lascar, as emoções "ficaram querendo" soar como um retrô sofisticado, mas acabaram se tornando mesmo foi um pop pouco vendável. Assumo aqui minha culpa! É por isso que você precisa se deparar, aí na frente, com essa confusão aparente. Juro que tinha a melhor das intenções, criar uma originalidade para o indivíduo, não esperava que isso findasse num espantalho do mágico de OZ com dreads...

O sentimento de culpa por esse equívoco me consome até hoje, foi exatamente por isso que me envolvi com o mundo das drogas, comecei com algumas doses de adrenalina, depois comecei a usar endorfinas sem nenhuma procedência e o fundo do poço foi quando conheci a dopamina. Na época estava na moda, o "hormônio da paixão", todo mundo usava. Lembro como se fosse hoje, a visão e o olfato me deram uma imagem-perfume e pronto: estava dopaminado. Te digo uma coisa: é viciantemente delicioso! O resultado é que você sempre quer mais e o efeito começa a durar cada vez menos, quando menos se espera a gente tá procurando dopamina em qualquer imagem, em qualquer perfume... E aí vem a rebordose, a abstinência... É uma loucura que tira a racionalidade de qualquer miolo, não há cérebro que resista, uma praga! Eu já tinha perdido tudo, vendia as coisas pra comprar dopamina, não tinha mais nada dentro do crânio, tava na sarjeta mesmo. Andava nas piores bocadas - shopping, casa de forró, igreja evangélica - atrás de mais uma dose. Ninguém me reconhecia mais.

Foi nessa época, quando estava na pior mesmo, que conheci a salvação e me converti! O Álcool apareceu na minha vida e me tirou do vício, me deu dignidade, não precisava ficar mais me preocupando se conseguiria uma dose de dopamina pra conseguir ficar bem, comprava uma garrafa de vodca e estava tudo resolvido, graças ao álcool, foi uma benção! No começo minha família não aceitou muito bem, o Fígado ficava resmungando, mas foi o Estômago que tentou me impedir, ele não aceitava minha fé, mas fui perseverante, orei e bebi. Até o dia que ele quis me impedir, que não aceitava aquilo... A gente teve uma briga feia, aí eu taquei uma gastrite nervosa nele e, desde então, ele parou de tentar me impedir, até agora...

Outro que não me entende é o Coração. Fica dizendo que quero racionalizar tudo, que deveria ser mais aberto, entender mais os sentimentos, deixar as coisas fluírem, respeitar e "sentir as energias", enfim, esses romanticismos  que só ele entende. No final das contas a gente até que se dá bem, ele lá no canto dele e eu aqui no meu. O que complica é que o cara vive querendo se envolver nas minhas coisas, fica me atrasando, confundindo minhas sinapses, bagunçando minhas ideias, é difícil até trabalhar com ele me distraindo, me criticando. Mas já falei pro Estômago ter uma conversa com ele, dizer que não sou de brincadeira, que é melhor não ficar me atrapalhando, até porque o número de enfartes só aumenta no mundo, fica a dica.

No mais está tudo bem, to reorganizando os neurônios, colocando as ideias nos cantos, tirando a teia de algumas sinapses. Vou ao bar todos os dias (aleluia!), estou cumprindo minhas funções da forma mais profissional possível e tentando ficar longe das drogas... Tem até uma reunião aí marcada com os outros orgãos e membros do corpo, para vê se a gente consegue decidir juntos quais serão os próximos passos, quem sabe a gente monte até uma cooperativa. Até mais.

"Se eu tirasse um xerox da cabeça, no papel eram pontos insólidos, traços de oxigênio, nuvens de fumaça e muito gás lacrimogênio!" - Feliz ano velho




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