domingo, 26 de julho de 2015

Migalhas

 Faz muito tempo que não escrevo. Tanto que meus dedos já não reconhecem os caminhos em branco, me perco nas palavras, tropeço nas letras, embaralho os sentidos... Por que voltar a escrever agora? Depois de ter tentado todas as fugas volto para a única que me cabe, aonde me vejo nos olhos, aonde toco meus pecados e percebo estômagos embrulhados, lembranças embaçadas, forças caquéticas. Escrevo porque sou tão pequeno que torno-me demais, não suporto. O peito infla, os olhos pesam, o coração quase não bate, não suporto. É nessas horas que recaio sobre a folha em branco, nas etapas de morte dos ciclos da vida, no escuro do ser, na negação, na carência da falta. Dificilmente escrevo nos momentos de glória, quando neles estou sequer penso ser eu... Ali é outro, mais forte, bonito e inteligente. A projeção heróica do sucesso é brilho que ofusca a sombra inevitável. 

É na queda que me torno, que me toco - Moleque de periferia não se acostuma com vida fácil, "tem alguma coisa errada". As portas que aparecem são sempre cheias de esperança, com perfumes de vida, com gosto de sol, no entanto, por trás de cada novo portal se esconde mais um labirinto de pedras, sombra e medo. O que fazer? Parar e nunca mais sentir as essências das portas ou encarar mais um labirinto imenso pelo aroma fugaz e traiçoeiro que emana de cada nova passagem? Correr ou ficar? Encarar a morte e perder a vida ou continuar sobrevivendo? As mesmas perguntas, as mesmas repostas, a mesma falta de coragem.

Escrevo para entrar nos labirintos e cada palavra, imposta e impostora, se torna migalha de pão que vou deixando no caminho, como barbante de segurança por onde posso voltar. Cada palavra me remete ao que sou para trás, visto que dos três tempos sempre tive mais medo do futuro - e é por isso que escrevo quando morro. Toda palavra é pedaço de chão, é passo para frente, é caminho vencido. Toda escrita circunscreve o que sou nas nuvens, me torna substância, me concretiza. Escrevo porque preciso caminhar.