Me derreti sobre o ralo do
banheiro, enquanto a água de meu banho escorria me dissolvi pouco a pouco e junto com
o líquido foi-se tudo o que eu tinha. A primeira coisa a descer pelo ralo foi
minha resistência, impávida e colossal, como soldado que vai a guerra, ela
deixou-se debilmente à queda livre. Depois as unhas dos pés, os pelos,
os cabelos, os dentes e a cor de minha pele.
Agora estava ali nu de mim mesmo
sobre o ralo, despido de minha resistência pouco importava minha aparência, e
pela primeira vez achei-me belo, poderia sair às ruas daquela forma, já que há
mais verdade na monstruosidade que na feiura disfarçada. Deitei-me sobre o
ralo, costas sob a água, cabeça escorada no azulejo, banheiro pequeno, pés na
parede... Morria como um feto que nasce. Neste momento minha pele começava a
escorrer, primeiro a do rosto e com ela todo o resto, peito, braços, pernas...
Até todo meu corpo ser uma vermelhidão de músculos e sangue! Aliás, meu líquido
vermelho começou a se misturar com a água e ela lavou meu próprio sangue
de mim, restando a sequidão dos músculos no chão, ao mexer minhas mãos
conseguia enxergar os nervos a esticar-se como fibras de madeira que envergam. Mal havia reparado, mas meus músculos também se iam embora, desciam
lerdamente pelo ralo do banheiro... Sem músculos no corpo meu coração rolou
pelo azulejo, escorou-se na quina da parede até que a água também o transportou
pelos buracos do chão.
Quando me enxerguei apenas
possuidor de meus ossos pensei em mostrar-me para aqueles que me perseguiam por
conta de minha magreza... Também foi neste momento que me perguntei sobre minha
alma: Onde ela estaria? Acaso já estivesse ralo a baixo, pelos esgotos? Estaria
minha alma pressa dentro das paredes do banheiro? Residiria minha alma apenas
em meus ossos? Além do mais, estes igualmente já se derretiam junto a água e
pouco a pouco deixavam as luzes do banheiro e adentravam na escuridão do ralo, costelas, vértebras e crânio...
Estranhamente sobraram sobre os
buracos dois olhos abertos! Sem piscar enxergavam a luz e cada piso do
banheiro sujo, a água já cessara e os dois globos ficaram como dois débeis que
perdem o trem que passou... Alguém apagou a luz e tudo silenciou, quando a
noite veio os olhos aproveitaram a saída das baratas e se jogaram pelo ralo,
não sei bem se em busca dos ossos, do coração, dos músculos, da pele ou dos
pelos, mas se recusavam a ficar ali apenas na presença um do outro!
E eu? Eu que havia entrado ali apenas
para “tomar um banho”? Saí sem nada...